Certas lendas podem ser comparadas ao ocaso, ou seja, àquele panorama em que a luz solar, tão intensa ao meio dia, se deixa filtrar através da atmosfera e se torna muito mais suave. Constitui ela mesma um espetáculo. Raios coloridos difundem-se sobre as nuvens, refletem-se no céu e no horizonte, permitindo aos olhos humanos melhor conhecer outros aspectos do astro rei.

Em torno do episódio dos três Reis Magos que empreenderam uma longa viagem a Belém para venerar Menino Jesus, um escritor, cujo nome se perde na poeira dos tempos, imaginou e descreveu outra longa aventura de um quarto Rei Mago. Pura imaginação? Sim, imaginação poética que projeta luzes multicolores sobre a realidade histórica, para melhor realçar sua beleza.

Desse modo, mediante os recursos da imaginação e da literatura, a lenda do Quarto Rei Mago aponta a aventura de um personagem imaginário, que ressalta a realidade de um objetivo capital para todo ser humano: buscar sempre, dentro das possibilidades individuais, o Reino de Deus e sua justiça.

 

       Há cerca de dois mil anos atrás, uma estrela extraordinariamente bela apareceu nos céus do Oriente. Deslocava-se ela em direção ao poente.

       Logo ao contemplá-la muitas pessoas eram tomadas de medo ou mesmo pânico, supondo que ela viesse anunciando alguma terrível catástrofe. Reação diferente manifestavam outras pessoas. Para elas, uma estrela tão bela não poderia ser presságio de tragédias, pelo contrário… não anteciparia um feliz evento?

      Naquela região, onde existiam vários reinos, os monarcas Balthazar, Gaspar e Melchior contemplaram a estrela com a mais viva atenção. Tais monarcas dedicavam-se também à astronomia. Por isso, sem perda de tempo, procuraram descobrir qual o seu significado e depois de ter examinado alguns de seus mais antigos pergaminhos contendo estudos de sábios da Pérsia, Índia e Etiópia, concluíram que aquela estrela anunciava o nascimento de um grande Rei que devia reinar sobre todos os Reis do mundo. O deslocamento da estrela – deduziram os três monarcas — indicava o local onde este grande Rei deveria nascer, e parecia-lhes necessário encetar uma viagem para segui-la o quanto antes.

      Organizaram eles então uma caravana com muitos servos, com numerosos dromedários e camelos, para empreender a longa viagem. Homenageariam o novo Rei e oferecendo-lhe como presentes ouro, incenso e mirra.

          A decisão dessa grande viagem entusiasmou também a um jovem monarca de uma região vizinha, chamado Artaban. Porém, necessitava ele de certo tempo para preparar essa súbita viagem: comprar alimentos, camelos e sobretudo o presente para oferecer ao novo Rei.

      No dia marcado para a partida, Artaban procurou convencer os participantes da caravana em adiar a partida, pois ainda não havia concluído seus preparativos. Entretanto, Balthazar, Melchior e Gaspar explicaram-lhe que não podiam deter-se para esperá-lo; ele sozinho deveria segui-los logo que fosse possível.

      Assim, somente após transcorridas quatro fases da lua, Artaban conseguiu partir, levando num estojo bem protegido três pedras de bom quilate – um diamante, um rubi e uma safira — para oferecer ao novo Rei.

       Apesar de ter que enfrentar tempestades em meio às florestas, calor abrasador e falta de alimento e agua em regiões desérticas, Artaban viajava sem perda de tempo. Ele foi obrigado, entretanto, deter-se para prestar socorro a pessoas que se encontravam em extrema necessidade.

        Numa tarde, Artaban foi surpreendido com os gritos e gemidos de um homem de certa idade que era conduzido por soldados como prisioneiro. Tratava-se um rico agricultor que cultivava trigo, mas devido à má colheita do ano e à grave enfermidade de um de seus filhos, não teve condições de pagar em dia as dívidas que contraíra.

― “Ajudai-me senhor! Sempre paguei minhas dívidas, mas neste ano o clima foi desfavorável e perdi a colheita. Estou sendo levado para prisão, minha mulher e meus filhos vão sofrer fome!”, exclamou ele ao jovem monarca.

       Artaban, emocionado com aquelas palavras, tendo ouvido com mais detalhes o drama daquele agricultor, ordenou a um de seus servos que lhe trouxesse o estojo dourado. Dele retirou o diamante, e com as duas mãos elevou-o para o alto, como se estivesse oferecendo ao Criador do mundo. Logo em seguida entregou-o ao necessitado, que não conseguia esconder sua surpresa e alegria. Emocionado e enxugando as lágrimas, compreendeu que suas dividas poderiam ser completamente pagas.  Após beijar as mãos de seu benfeitor, o homem lhe fez uma profunda reverencia e partiu.

      Não passaram-se três dias de viagem, quando outro caso de injustiça e violência se apresentou diante do jovem monarca Artaban: alguns ladrões que haviam atacado um viajante, roubaram todos os bens que transportava, e deixaram-no ensanguentado na estrada.

― “Socorro, ajude-me, senhor!! Tenho filhos para criar. Ah! Minha mãe e minha esposa passarão terríveis dificuldades!  E acenando para Artaban, exclamou:  Tende pena de mim, senhor! Salvai-me!”

       Mais uma vez, Artaban se comoveu. Poderia ele recusar ajuda para aquela súplica de extrema necessidade? Então o monarca colocou o pobre homem ferido sobre um de seus camelos e conduziu-o até uma hospedaria. Além disso, Artaban retirou de seu estojo o valioso rubi, e repetindo o gesto de oração que fizera na doação anterior, entregou-o ao homem que fora vítima do assalto.

       Contemplando a última safira, pensou ele: “Poderei entregar ao Rei dos Reis esta bela safira que sobra”, e consolava-se. Sempre seguindo a estrela que via distante no horizonte, estava ele se aproximando da cidade de Belém. Entretanto, ele mostrava-se preocupado na condição de retardatário. De fato, chegara tarde demais.

       Ficou ele sabendo que o Menino Rei havia sido levado por seus pais para o Egito, para protege-lo contra a cólera do rei Herodes. Para não permitir que algum outro tomasse o seu trono, este homem cruel havia decidido fazer assassinar todos os meninos da região de Belém que tivessem menos de dois anos de idade.

       A cidade estava tomada por soldados a cavalo, que invadiam as casas de famílias e executavam essa terrível norma.

       Quando estava passando a porta da cidade, Artaban viu uma jovem mulher que fugia chorando, levando um bebê em seus braços. Um soldado à cavalo a perseguia tendo nas mãos uma espada.

       Artaban se interpôs, tomou a mãe e o menino sob sua proteção, e pediu ao soldado de Herodes de lhes poupar, em troca de uma magnifica safira. O soldado com aquela pedra seria rico! Ele aceitou, e resolveu deixar o bebê com vida.

    Artaban permaneceu algum tempo em Belém em companhia de pastores que guardavam seus rebanhos nas montanhas vizinhas, e lhe mostraram com alegria o estábulo onde o Menino havia vindo ao mundo. Em seguida, Artaban decidiu partir para o Egito, para tentar encontrá-lo e prestar-lhe suas homenagens.

       Entretanto os dias, as semanas, os meses e mesmo os anos se passavam, e embora tivesse feito uma intensa busca do Rei dos Reis em todo o Egito. Contudo, não conseguiu encontrá-lo.

       Por isso Artaban, tendo gasto grande parte de sua fortuna, retomou o caminho para a Palestina, considerando que o Rei tão procurado tivesse já retornado a seu país.

        Realmente, tendo retornado a Jerusalém, eis que ele ouviu falar de um grande profeta chamado Jesus, que estava percorrendo o país e ensinava as multidões. Alguns o chamavam de Mestre, outros de Rabi ou ainda de Senhor.

      Artaban desejava conhecer este homem, pressentindo que certamente ele fosse o Rei dos Reis. O jovem monarca se dirigiu à montanha onde se reuniam aqueles que ouviam seus ensinamentos. Desde que o viu, Artaban sentiu as lágrimas correr sobre suas faces, pois jamais havia ouvido palavras tão carregadas de unção.

       O Mestre dizia: “Aquele que tiver deixado tudo, casa, família, riquezas, para me seguir, este terá em recompensa um tesouro no céu e a vida eterna.” Artaban aproximou-se dele e surpreso ouviu estas palavras:

― “A paz esteja contigo, meu dileto filho Artaban. Tenho bem presente as preciosas pedras que me ofereceste por ocasião de meu nascimento!”.

― “Eu vos ofereci? Não, meu Senhor! Como me conheceis, oh grande Mestre? Quando vos ofereci meus presentes, meu Senhor? Eu realmente pretendia oferecer-vos algumas pedras. Porém, tive que usá-las durante o percurso… Perdoai-me, Senhor, pois agora nada mais tenho para oferece-vos!”, ponderou-lhe humildemente Artaban.

Após uma longa procura que se estendeu por mais de 30 anos, Artaban com alegria encontrou o Rei dos Reis que nascera em Belém.

― “Não, meu filho! Quando ofereceste aquela pedra preciosa para salvar agricultor ameaçado de morte, e também ao viajante assaltado e ferido, foi a mim que ofereceste. Quando ofereceste aquela pedra para salvar a vida do bebê inocente, foi a mim que ofereceste.”

      Artaban mostrava-se surpreso e tomado de imenso júbilo. Nunca ouvira palavras tão paternas e sublimes. Compreendeu, então, que o Rei dos Reis ensinava com vigor uma nova lei de amor ao Deus único, Criador do mundo, daí decorrendo também o desejo de levar a salvação a todos os homens. Ele estava lançando as sementes de um Reino superior a todos os reinos da Terra.

       O Reino que Jesus estava pregando devia se estabelecer em toda a Terra, como uma preparação para Reino dos céus, na eternidade. Uma lei de caridade e estima dos homens tratados como irmãos, como nunca se tinha visto em nenhum lugar do mundo. Profundamente reverente inclinou-se diante o Mestre, osculou os seus pés e suas mãos, e recebeu dele uma solene bênção. O grande ideal de sua vida ― encontrar e venerar o Rei dos Reis ― havia sido alcançado. A esse Rei dos Reis, Artaban dirigiu sua humilde e solene súplica: ser recebido também no Reino dos Céus.

(Texto adaptado  por Pe. Colombo Nunes Pires EP)