Era uma rica família protestante da Inglaterra: marido, esposa e um filhinho paralítico do lado direito. Vieram passar as férias grandes numa praia ao sul da França. Na viagem de regresso tinham de passar perto do Santuário de Lourdes.

O pai, protestante fanático, tem uma ideia fixa: não parar, de maneira nenhuma, nessa terra. Em Tarbes ele mesmo examina o motor do seu automóvel; quer ter a certeza de fazer a viagem diretamente até Biarritz, sem qualquer paragem. Transmite à família a sua decisão:

–Nenhuma demora em Lourdes, terra de “superstições”.

O carro voa pelas bem cuidadas estradas francesas, até que, de repente, se ouve um ruído forte e seco: o automóvel estaca bruscamente a uns 100 metros do Santuário de Nossa Senhora!

Acode imediatamente um mecânico experimentado, que dá a sentença: uma avaria exige dois ou três dias para reparação. A família inglesa aceita a carona do dono de um hotel de Lourdes, no qual se vai instalar.

Tinham determinado não parar no Santuário de Maria Imaculada, e ei-los obrigados a demorarem aí três dias. Lição de Deus? Não, antes amoroso desígnio da sua Misericórdia.

No dia seguinte, o doentinho inglês chamado John (João) está sentado no jardim do hotel, onde o colocaram, folheando a sua coleção de selos. A seu lado aparece a carita fresca de um pequeno. É o filho do cozinheiro, que tem a mesma idade, o mesmo nome João (Jean) e a mesma paixão pelos selos. Com o à vontade próprio de Crianças, diz ao seu companheiro:

–Eu também tenho uma coleção de selos! Um missionário de Ceilão mandou-me um precioso, que te dou!

Os pequenos tornam-se amigos e entendem-se à maravilha. Falavam em francês, pois o inglezito, muito esperto, tinha aprendido essa língua. Jean fica a saber que John consultou os mais afamados especialistas, sem conseguir a cura. Dos milagres de Lourdes, nunca tinha ouvido falar.                                                                                                                                                      ….            — Porque não te levam à gruta? Nossa Senhora faz lá tantos milagres, que também te podia curar.

O coração do menino rico, afeito à terrível doença, dilatou-se com a esperança. Nos seus olhos clareia um fiozinho de alegria. Havia remédio para a sua doença e talvez se pudesse curar. Mas… objeta, tristemente:

— O meu pai não me dá licença de ir à gruta.

— Vai ter com a tua mãe e pede-lhe com todo o empenho.

O inglezito bem sabia que era escusado insistir com o pai. Na manhã seguinte, o menino francês pergunta ao colega:

— Já pediste licença à mãe? Porque te não levam à gruta?

— O meu pai não deixa; diz que são tudo mentiras dos católicos.

O esperto filho do cozinheiro, descobre a solução.

— Não te preocupes! Acordas às cinco da madrugada; eu venho buscar-te no carrinho de mão, da cozinha. Sobes, pões as muletas em cima e eu levo-te à gruta. À hora de levantar já estamos de volta no hotel, sem que ninguém tenha dado conta. Queres?

— Quero sim. Que bom! – rejubila o aleijadinho.

— Não digas nada aos teus pais! Entendido? Olha, mas é preciso rezar! Sabes rezar?

— Não …

— Pega neste terço e vai-o passando pelos dedos. Nas contas grandes dizes tu sozinho: «Mãe do Céu cura o teu filhinho doente»; nas contas pequenas, dizemos os dois: «Ave Maria…  Ave Maria». Podes rezar em inglês, porque a Senhora entende.

Cinco da madrugada. Na frescura da manhã de Setembro, um carro de mão empurrado por um garoto vivo e esperto desliza pela rampa em direção à gruta de Lourdes. No carrinho, outro pequeno, de aspecto triste, com pijama azul. Chegam à gruta. O francês tira do carro o companheiro doente, apoiado nas muletas. O infeliz vai rezando constantemente a singela oração que lhe ensinou o filho do cozinheiro: «Mãezinha do Céu, cura o teu filhinho doente!». Sente-se comovido e quase tem vontade de chorar…

Um sacerdote começa no altar a Santa Missa. Os dois pequenos estão de pé, contra o costume de John. À consagração, o francês diz baixinho ao colega:

— Agora tens que pôr-te de joelhos… Anda… Ajoelha-te.

E sem cair na conta do que fazia, o doente ajoelha-se, coisa que nunca tinha podido fazer.                                                                                                                                                         ….           Acaba a missa. Jean, como quem tinha previsto tudo, diz com a máxima naturalidade:

— Anda; traz as muletas, põe-nas no carro, que eu levo-te para casa…

John levanta-se, dá um passo, dois… três…

— Já posso andar, Jean!

Este, espantado com a admiração do amigo, diz-lhe:

— Pois é claro; já lhe tinha dito!

Que milagre verdadeiro tão doce e encantador! Que página cheia de graça e beleza! Os dois pequenos lançam à branca Senhora um beijo e voltam para o hotel, como tinham previsto.

— Não digas nada, ouviste? Vais ver que surpresa!

Mas a surpresa foi para eles. O senhor inglês, ao encontrar a cama vazia, alarmou-se de tal forma, que todo o hotel andava em alvoroço, à busca de John…

Naquele momento os dois “fugitivos” entram pela porta.

O inglês ficou pasmado ao ver o filho de pijama e a andar sem muletas!

Para isso é que Nossa Senhora fez com que o automóvel parasse em Lourdes. Amorosos desígnios de Deus e de sua Mãe!

 Revista “Cruzada” – Portugal