A celebração do dia de Finados – isto é daquelas pessoas cuja existência terrena já findou – convida-nos a elevarmos a Deus nossa preces pelo repouso eterno dessas almas.

A ocasião é também propícia a que façamos nosso exame de consciência, aproximemo-nos dos sacramentos da Confissão e da Eucaristia, como preparação para o dia – incerto – no qual seremos chamados a cruzar os umbrais da eternidade.

      Ensina-nos o Catecismo da Doutrina Cristã que o homem foi criado com uma alma imortal, e ao encerrar sua existência terrena deve-se unir ao seu Criador, se tiver correspondido à lei natural impressa em sua alma e ter sido fiel aos ensinamentos que o próprio Deus criador fez chegar aos homens pelos profetas e sobretudo através de seu Filho, Jesus Cristo.

– Quem sou, de onde vim, onde me encontro, para onde vou?

       Estas são perguntas para as quais, em todas as épocas, as nações, as civilizações, tem procurado respostas. Alguns povos da antiguidade, como os gregos, deram bons passos nessa direção. Entretanto, foi somente através da Revelação bíblica e com a vinda de Jesus Cristo, e a fundação da Igreja, que tais perguntas foram respondidas por completo. Tais respostas foram oferecidas a todos os povos do mundo.

      Em Roma, em meio a um Império em franca decadência, a semente do Evangelho foi lançada às almas de modo especial pelos Apóstolos São Pedro e São Paulo. Formaram eles as primeiras comunidades e, como heroico testemunho, derramaram nessa cidade o seu próprio sangue.

      Algumas obras de arte podem às vezes nos transmitir alguma lição da fé e piedade de outros tempos. De fato, numerosas Basílicas, Igrejas e museus de Roma conservam relíquias dos primeiros séculos da Cristandade, capazes de fortalecer a fé e a piedade dos séculos posteriores. Tais objetos transmitem algo da vida daqueles primeiros cristãos, uma vez que eles deixaram gravados sobre o mármore alguns aspectos de suas almas.

      Uma dessas relíquias é focalizada pelo Papa Bento XVI, em sua Encíclica Spe Salve, de 2005. Trata-se de um belo sarcófago do século III da era Cristã, conservado em Roma, no qual foi sepultado o corpo de um menino. Nesse sarcófago, além do nome do menino, e outras indicações, em imagens de baixo relevo encontram-se representadas com especial realce as imagens de Jesus Cristo e de Lázaro.

      Cristo é representado como o verdadeiro filósofo que segura numa mão o Evangelho e, na outra o bastão de viandante, próprio do filósofo. Com este bastão Ele vence a morte; o Evangelho traz a verdade que os filósofos peregrinos tinham buscado em vão.

      Lázaro saindo envolvido em faixas, pela porta de seu túmulo, atestava as credenciais sobrenaturais desse homem que não era apenas um extraordinário filósofo, mas era um profeta, um homem Deus.

      Nesta imagem de Cristo, que por um longo período havia de perdurar na arte dos sarcófagos, torna‐se evidente aquilo que tanto as pessoas cultas como as simples encontravam no Messias nascido em Belém.

      Ele nos diz quem é na realidade o homem e o que ele deve fazer para ser verdadeiramente homem. Ele, como homem Deus, capaz de ressuscitar Lázaro, indica‐nos o caminho, e este caminho é a verdade.

      Em geral, naquela época por filosofia não se entendia então uma complicada e contraditória disciplina acadêmica, tal como existe em nossos dias. O filósofo deveria ser antes de tudo aquele que sabia ensinar a arte essencial: a arte de ser retamente homem, a arte de viver e de morrer.

      Certamente, há muito tempo os homens já tinham percebido que boa parte dos que circulavam como filósofos, como mestres de vida, não passavam de charlatães que com suas palavras granjeavam dinheiro, enquanto sobre a verdadeira vida nada tinham a dizer. Isto era mais uma razão para se procurar o verdadeiro filósofo que soubesse realmente indicar o itinerário da vida.

      Ele indica ainda o caminho para além da morte; só quem tem a possibilidade de fazer isto é um verdadeiro mestre de vida. O mesmo se torna visível na imagem do pastor. Tal como sucedia com a representação do filósofo, assim também na figura do pastor a Igreja primitiva podia apelar‐se a modelos existentes da arte romana. Nesta, o pastor era, em geral, expressão do sonho de uma vida serena e simples de que as pessoas, na confusão da grande cidade, sentiam saudade. Agora a imagem era lida no âmbito de um novo cenário que lhe conferia um conteúdo mais profundo: « O Senhor é meu pastor, nada me falta […] Mesmo que atravesse vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo » (Sal 23[22], 1.4). O verdadeiro pastor é Aquele que conhece também o caminho que passa pelo vale da morte; Aquele que, mesmo na estrada da derradeira solidão, onde ninguém me pode acompanhar, caminha comigo servindo‐me de guia ao atravessá‐la: Ele mesmo percorreu esta estrada, desceu ao reino da morte, venceu‐a e voltou para nos acompanhar agora, e nos dar a certeza de que, juntamente com Ele, acha‐se uma passagem. A certeza de que existe Aquele que, mesmo na morte, me acompanha e com o seu « bastão e o seu cajado me conforta », de modo que « não devo temer nenhum mal »  esta era a nova « esperança » que surgia na vida dos que aderiram à Fé.

Pe. Colombo Nunes Pires, EP.